NOVA VERSÃO DA
ADIN CONTRA A LEI TRABALHISTA Nº 9.958, DE 12 DE JANEIRO DE
2000
Excelentíssimo
Senhor Ministro Presidente do Egrégio Supremo Tribunal Federal
______________vem, respeitosamente,
por seus advogados (instrumento de mandato em apenso), com fundamento nos
artigos 102, I, "a", e 103, IX, da Constituição Federal/88,
propor
AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE
(com pedido de liminar)
contra os dispositivos, a
seguir indicados, da Lei nº 9.958, de 12 de janeiro de 2000, publicada
no DOU de 13 de janeiro de 2000, pelas razões que passa a expor:
I - Lei nº 9.958/2000
- Dos dispositivos normativos impugnados
O Congresso Nacional aprovou
e o Presidente da República sancionou a Lei nº 9.958, de 12
de janeiro de 2000, que acrescenta dispositivos à Consolidação
das Leis do Trabalho CLT , dispondo sobre as Comissões de Conciliação
Prévia e permitindo a execução de título executivo
extrajudicial na Justiça do Trabalho. Para tanto, a citada Lei,
em seu artigo 1o, alterou o artigo 625 da CLT, acrescentando
os itens "D mais os parágrafos 1o, 2o, 3o
e 4o" e "E, Parágrafo Único".
A alteração
legislativa, o objeto desta insurgência, tem a seguinte redação:
Art. 625-D: Qualquer demanda
de natureza trabalhista será submetida à Comissão
de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação
de serviços, houver sido instituída a comissão no
âmbito da empresa ou do sindicato da categoria.
§ 1º A demanda
será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos
membros da Comissão, sendo entregue cópia datada e assinada
pelo membro aos interessados.
§ 2º Não
prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado
e ao empregador declaração da tentativa conciliatória
frustrada com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros
da Comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação
trabalhista.
§ 3º Em caso de
motivo relevante que impossibilite a observância do procedimento
previsto no caput deste artigo, será a circunstância declarada
na petição inicial da ação intentada perante
a Justiça do Trabalho.
§ 4º Caso exista,
na mesma localidade e para a mesma categoria, Comissão de empresa
e Comissão sindical, o interessado optará por uma delas para
submeter a sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do
pedido.
Art. 625-E. Aceita a conciliação,
será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu
preposto e pelos membros da Comissão, fornecendo-se cópia
às partes.
§ Único. O termo
de conciliação é título executivo extrajudicial
e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às
parcelas expressamente ressalvadas.
II - VIOLAÇÃO
DIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL
a)- Art. 652-D
O art. 652-D da CLT, criado
pelo art. 1o da Lei 9958/2000, viola diretamente o art. 5º,
inciso XXXV, da CF., que dispõe:
"a lei não excluirá
da apreciação do Poder Judiciário lesão ou
ameaça de direito".
Trata-se de direito público,
assegurador do direito de ação, de exercício incondicional.
O direito de ação não pode sofrer limitação
pelo legislador ordinário: ao cidadão é assegurado
o direito de buscar no Judiciário a tutela estatal - a qualquer
tempo - independentemente de qualquer condição; basta ter
capacidade jurídica, legitimidade e direito de agir.
O renomado jurista Manoel
Antonio Teixeira Filho, na exegese do texto constitucional (direito incondicional
de ação), conclui, lógica e didaticamente, que não
se pode impedir, nem restringir o direito de ação:
"Consistindo, pois,
a ação num direito constitucional, isso significa, em termos
concretos, que o legislador infraconstitucional não poderá,
por que motivo seja, impedir ou restringir o exercício desse direito,
ainda que temporariamente, sob pena de colocar-se em manifesto e insustentável
antagonismo com a Suprema Carta Política do País" (in JURIDIÇÃO,
AÇÃO E PROCESSO, Editora LTr SP, nº 01, pág.
43).
"De qualquer forma,
o fato de esse princípio estar contido em texto constitucional é
de suma relevância para os indivíduos, para as coletividades
e para o próprio regime democrático, porquanto nenhuma norma
infraconstitucional poderá cercear, e, nem mesmo, restringir sob
que argumento seja o exercício do direito de ação.
... Como dissemos, são despiciendas as razões pelas quais
o legislador infraconstitucional venha, ainda que ocasionalmente, a restringir
ou a impedir o exercício da ação: ao fazê-lo,
estará transgredindo uma das mais provectas e notáveis garantias
constitucionais do indivíduo, motivo por que os juizes deverão
se recusar a submeter-se a esse tipo de ato da legislatura" ( in PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, Editora LTr SP, nº 29,
págs.
12 e 14).
"... o princípio
da inafastabilidade da jurisdição (direito de ação)
está contido no art. 5º, XXXV, do texto constitucional; sendo
assim, o legislador ordinário (infraconstitucional) não poderá,
por mais relevante que lhe pareça o motivo, cercear ou restringir
o exercício desse direito de invocar-se a prestação
da tutela jurisdicional, com a finalidade de promover-se a satisfação
de interesses ligados a bens ou a utilidades da vida" (in PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, Editora LTr SP, nº 2, pág.
13).
A inconstitucionalidade da
Lei 9958/2000 é apontada também por Jorge Pinheiro Castelo
(mestre e doutor pela FADUSP, cujo currículo é engrossado
por farta produção doutrinária, como: "o Direito Processual
do Trabalho na Moderna Teoria Geral do Processo", "Tutela Antecipada na
Teoria Geral do Processo", "Tutela Antecipada no Processo do Trabalho"
- todos da LTR), que em artigo publicado na Revista LTR de abril/2000,
demonstra que:
"Para que o exercício
da tutela jurisdicional ocorra de forma efetiva e eficiente, o acesso à
Justiça e à Ordem Jurídica justa tem que se dar sem
embaraços, ou seja, de forma direta e imediata(...). É de
patente inconstitucionalidade impor-se ao empregado que, além de
sofrer a resistência direta do empregador inadimplente, seja obrigado
a percorrer, plano material, uma etapa administrativa de conciliação,
para só então, num segundo (ou talvez, terceiro, considerando-se
o ato homologatório) momento, poder ingressar em juízo. (...)com
o afirmado inadimplemento, no plano material, está configurado e
satisfeito o interesse de agir processual próprio do direito constitucional
de ação, não se podendo exigir a presença de
um segundo interesse de agir administrativo, para só então
se poder demandar em juízo. (...). O § 4 do art. 153 da CF/69
autorizava a lei infraconstitucional a exigir o prévio esgotamento
da via administrativa para o ingresso em juízo. Ocorre que a CF/88
extirpou esse entulho autoritário. (...) Dessa forma, só
na época da ditadura militar existiu uma condição
de ação de natureza administrativa. E, nesse período,
a lei infraconstitucional editada para as ações contra o
INSS foi reiteradamente julgada inconstitucional pelo STF (RE 78272. No
mesmo sentido, noticia também o DJU, 14.5.97, pág. 19.253
e Inf. STF 71, DE 12.5.97, AgRg naSE 5.206-7 Espanha", in CPC Comentado
de Teotônio Negrão, Saraiva, 1988, pag. 804). (...)a conciliação
que jamais poderá ser renúncia tem por conteúdo
um negócio jurídico através do qual se estabelece
e transação sobre res dubia pertinente a direitos meramente
patrimoniais. Logo, não se pode nela incluir interesses não
específica e concretamente transacionados. Caso contrário,
o § Único do art. 625-E da Lei 9958/2000 estaria violando o
direito adquirido (inciso XXXVI do art. 5º da CF, inovaria contra
o direito de ação em defesa do direito estabelecendo o inconstitucional
princípio do enriquecimento ilícito e da fraude material
(alínea a do inciso XXXIV e inciso XXXV do art. 5º da C.F).
(...) O ordenamento jurídico, constitucional, democrático
e ético, não admite a fraude de direitos, em especial a renúncia
de direitos inderrogáveis, de ordem pública, de caráter
social e de pessoas em estado de vulnerabilidade jurídica e econômica."
(Jorge Pinheiro Castelo, in "COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO
PRÉVIA-FILOSOFIA, IDEOLOGIA E INTERESSES ENVOLVIDOS NA LEI, INCONSTITUCIONALIDADES,
PERPLEXIDADES E SITUAÇÕES ESPECÍFICAS LIMITAÇÕES,
EXCEÇÕES E ALTERNATIVAS", LTR, vol. 64, 04, 446/455).
Portanto, a Lei 9958/2000,
ao acrescentar ao art. 625 da CLT as letras "D" e "E", provocou profunda
lesão no texto constitucional. As feridas só irão
cicatrizar se o STF, ao exercer sua função saneadora e cirúrgica,
extrair o tumor maligno e restabelecer o direito de cidadania plena, devolvendo
aos trabalhadores o direito de ação, cerceado a toque de
caixa pelas inserções arbitrárias na codificação
trabalhista.
Os acréscimos ao
artigo 625 da CLT (letras "D" e "E") violentam diretamente também
o art. 114 da CF, que atribui à Justiça do Trabalho competência
EXCLUSIVA para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos:
"Compete à Justiça
do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos
entre os trabalhadores e empregados, abrangidos os entes de direito público
externo e da administração pública direta e indireta
dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União,
e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação
de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento
de suas próprias sentenças, inclusive coletivas".
Há exceções,
mas a própria Constituição Federal cuidou de estabelecer
tratamento diferenciado e as oportunidades em que isso poderia ocorrer
(Dissídio Coletivo: o art. 114, § 1º e 2º, traz condição
especial de Ação - a tentativa conciliatória; direito
individual, art. 217, § 1º: "O Poder Judiciário só
admitirá ações relativas à disciplina e às
competições desportivas após esgotarem-se as instâncias
da justiça desportiva, reguladas em lei").
Portanto, na coerência
do preciso ensinamento do jurista Manoel Antonio Teixeira Filho, a Constituição
Federal não prevê outras hipóteses restritivas do amplo
e incondicional direito de ação e não autoriza o legislador
infraconstitucional, seja qual for o motivo, impedir ou restringir o exercício
desse direito, ainda que temporariamente; se o fizer (como efetivamente
fez!), se posiciona em manifesto e insustentável antagonismo com
a Suprema Carta Política do País.
A Justiça Especializada
especializada surge como decorrência da necessidade de pronta prestação
jurisdicional; a familiaridade com os temas peculiares de certas causas
deu origem à especialização dos juízos:
"... A especialização
desses juízos decorreu da necessidade de serem atendidas as peculiaridades
de certas causas (trabalhista, militar, eleitoral). À Justiça
do Trabalho, por exemplo, a Constituição atribuiu competência
para solucionar conflitos de interesses, individuais ou coletivos, envolvendo
trabalhadores e empregadores, e, mediante, lei, outras controvérsias
oriundas das relações do trabalho (Const. Federal, art. 114,
caput)" ( in PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, autor citado, Editora LTR-SP,
n 29, pág. 17).
Esclarece ainda o respeitado
jurista:
"O princípio
constitucional do devido processo legal é de extrema importância
para todos aqueles que, um dia, tiverem o seu "dia na corte" (his day in
Court), constituindo, sem dúvida, uma das mais expressivas manifestações
dos regimes democráticos. O due process of law não deve ser
visto, pois, como uma simples retórica do constituinte, sem qualquer
ressonância no plano da realidade prática, mas como uma sua
efetiva preocupação de fazer com que os conflitos de interesses
sejam submetidos à apreciação do Poder Judiciário,
e por este solucionados, não segundo a vontade das partes ou do
magistrado, mas de acordo com as normas legais específicas. Qualquer
violação dessa cláusula constitucional acarretará
a nulidade do processo..." ( in PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS DO PROCESSO DO TRABALHO, autor citado, Editora LTR-SP,
n 29, pág. 24).
Portanto, mesmo que se alegue
que o trabalhador tem a possibilidade de não transigir perante a
Comissão que, não transigindo, possa exercer o direito
de ação -, tão logo obtenha a declaração
negativa da tentativa conciliatória, mesmo nesta hipótese
ainda haverá violação ao direito constitucional de
ação durante o período em que ficou impedido de submeter
seu pedido ao Poder Judiciário. E isto não pode ocorrer diante
do assegurado pelo art. 5º, inciso XXXV da CF o direito de ação
é inafastável, incondicional.
A certeza de que a lei 9958/2000
atenta contra os princípios constitucionais é reforçada
pela Profª Carmen Lúcia Antunes Rocha:
"O direito à
jurisdição é a primeira das garantias constitucionais
dos direitos fundamentais, como anteriormente frisado. Jurisdição
é direito-garantia sem o qual nenhum dos direitos, reconhecidos
e declarados ou constituídos pela Lei Magna ou por outro documento
legal, tem exercício assegurado e lesão ou ameaça
desfeita eficazmente. Primeiramente, o direito à jurisdição
é a garantia fundamental das liberdades constitucionais. Sem o controle
jurisdicional, todos os agravos às liberdades permanecem no limbo
político e jurídico das impunidades. Todas as manifestações
da liberdade, todas as formas de seu exercício asseguradas de nada
valem sem o respectivo controle jurisdicional. A liberdade sem a garantia
do pleno exercício do direito à jurisdição
é falaciosa, não beneficia o indivíduo, pois não
passa de ilusão do direito, o que sempre gera a acomodamento estéril
e a desesperança na resistência justa e necessária.
Não é por acaso que os regimes políticos antidemocráticos
iniciam suas artes e manhas políticas pela subtração
ou pelo tolhimento do direito à jurisdição. É
que sem este direito plenamente assegurado e exercitável o espaço
para as estripulias dos ditadores é mais vasto e o descontrole de
seus comportamentos confere-lhes a segurança de que eles se vêm
necessitados de continuar no poder".
No dizer do eminente constitucionalista
português JJ Gomes Canotilho, "a garantia do acesso aos tribunais"
é considerada "como uma concretização do princípio
estruturante do Estado de Direito":
"A proteção
jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma
proteção eficaz. Neste sentido, ela engloba a exigência
de uma apreciação, pelo juiz, da matéria de facto
e de direito, objecto de litígio ou da pretensão do particular,
e a respectiva resposta plasmada numa decisão judicial vinculativa
(em termos a regular pelas leis de processo)".
III FUNDAMENTOS, OBJETIVOS,
PRINCÍPIOS E GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A LEI 9958/2000 A Carta Política
brasileira, tendo como fundamento o bem estar do homem. Na estruturação
desse fundamento, subordinou os interesses particulares do lucro à
prevalência do social: art. 5º, inciso XXIII; art. 170, inciso
III.
E - assim - a Lex Legum,
buscando o atingimento dos objetivos maiores colimados pela nação
(promoção do bem comum a todos os nacionais), projetou a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária.
Ao projetar, ficou alicerces seguros, garantidores do progressivo e evolutivo
desenvolvimento nacional, com a conseqüente erradicação
da pobreza e combate à marginalização, que possibilite
a redução das desigualdades sociais e regionais - artigos
1º ( I, II, III, IV) e 3º (I, II, III, IV) e a prevalência
dos direitos humanos (art. 4, inciso II). Esses pressupostos asseguram
o direito à cidadania, à dignidade, à preservação
e manutenção dos valores sociais do trabalho e do salário,
bem como dos demais direitos civis.
O direito de acesso ao Judiciário,
para a composição dos conflitos de interesses, é conquista
evolutiva, com cláusula moral impeditiva de retrocesso. É
dever do Estado Democrático estruturar e manter o Poder Judiciário
independente, para a composição dos conflitos de interesse;
não pode delegar essa magna tarefa, não pode privatizá-la,
sob pena de se admitir expressamente o retrocesso, a barbárie, o
intento reducionista da dignidade humana.
A lei 9.958/2000 materializa,
em parte, a privatização da Justiça. O Estado terceiriza
a composição dos conflitos, privatiza a Justiça, retrocede
e se desestrutura, deixa de existir (na composição). Num
enxergar em profundidade se constata a flexibilização (destruição,
implosão) dos direitos humanos, sociais e culturais.
O Poder Judiciário
tem o dever zelar pela sua dignidade, independência e soberania;
e a lei 9.958/2000 representa atentado à sua dignidade, independência
e soberania. O direito materializado por essa lei, transforma o trabalho
em mercadoria e, como mercadoria, sem qualquer dignidade, sem valor social.
A mensagem transmitida pela
essência da norma constitucional, que incorpora a evolução
da sociedade, globaliza o social e estabelece condições (limites)
ao interesse do puro e simples lucro: o enriquecimento, em qualquer setor
de atividade humana, deve vir seguido de construtividade social. A sociedade
existe - e se mantém - porque o homem é ser de localidade:
isolado, não produz; em sociedade, produz, constrói - e evolui;
da mesma forma, o direito - produto das normas de convivência humana
- evolui, na medida em que a sociedade evolui: é o retrato do estágio
em que a sociedade se encontra.
IV O DIREITO INTERNACIONAL
E SUA INCORPORAÇÃO AO TEXTO CONSTITUCIONAL Todo direito regras
de conduta da sociedade evolui. Portanto, o Direito Internacional é
o resultado da evolução das sociedades planetárias
evoluídas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos,
de 1.948, teve reafirmada suas disposições e eficácia
em razão da adoção da concepção contemporânea
de direitos humanos, que restou prevalente na aprovação da
Declaração de Viena (1993, assinada também pelo Brasil).
A Declaração
de Direitos Humanos de Viena, de 1993, reitera a concepção
introduzida pela Declaração de 1948, que, no parágrafo
5º, afirma:
"Todos os direitos humanos
são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade
internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa
e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase."
As garantias dos direitos humanos,
sociais e trabalhistas, bem como as dos direitos à educação,
à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança,
à previdência social (direitos que se encontram protegidos
pelas chamadas "cláusula pétrea" e que sequer podem ser objeto
de deliberação pelo Congresso Nacional, por força
do que dispõe o art. 60, § 4º da CF), foram conquistadas
no processo de evolução da sociedade e contam, na essência,
com a proteção de cláusula impeditiva de retrocesso,
como em todas as constituições democráticas, ou seja
da prevalência do entendimento de que a Declaração
Internacional de Direitos reconhecidos deva ser "jurisdicizada" sob a forma
de tratado internacional, tutelando direitos (humanos, sociais e culturais)
que sejam juridicamente obrigatórios e vinculantes no âmbito
do Direito Internacional, como sustentou a constitucionalista Flávia
Piovesan na Palestra "A DESCONSTITUCIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS
SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA", que proferiu no III ELAT, realizado
em Campos de Jordão, 3º Encontro dos Advogados Trabalhistas
Latino-Americanos, de 28 de abril a 1º de maio/2000.
A Declaração
Universal dos Direitos Humanos, de 1948, trouxe avanços que se incorporaram
ao patrimônio da humanidade, que não admitem retrocesso ("Da
aplicação progressiva dos Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais resulta a cláusula de proibição do retrocesso
social em matéria de direitos sociais" trecho da tese citada
de Flávia Piovesan), que constituem a essência da cidadania
passaporte universal da dignidade (princípios reafirmados na Declaração
de Viena (1993) e ampliados com a evolução temporal):
Após a Declaração
Universal de 1948, dois novos tratados (aprovados no âmbito das Nações
Unidas) reforçam e tornam mais consistentes as garantias dos direitos
humanos, sociais e culturais: o Pacto Internacional dos Direitos Civis
e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (ratificado pelo Brasil no ano de 1.992). Os postulados
adotados por esses dois tratados internacionais incorporam - e até
detalham, com precisão - os direitos constantes da Declaração
Universal preceitos obrigatórios e vinculantes.
Todos esses novos postulados
internacionais de respeito aos direitos humanos, sociais, civis, políticos,
econômicos, se incorporam ao direito pátrio a teor do que
prevê o art. 5º, § 2º, da CF, que dispõe:
"Os direitos e garantias
expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes
do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais
em que a República Federativa do Brasil seja parte".
Há que se realçar,
portanto, a imperatividade jurídica dos direitos econômicos,
sociais e culturais, com base na doutrina da indivisibilidade dos direitos
humanos consagrada pela Declaração Universal em 1948, endossada
em Viena, em 1993 e reafirmada pelos dois novos tratados internacionais
citados (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Pacto
Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais).
Na esteira das reflexões
doutrinárias acima expostas, o legislador ordinário não
pode criar ou dispor sobre quaisquer formas que impliquem no constrangimento
de um dos princípios estruturantes do Estado de Direito, resultando
desta atitude insanável vício constitucional.
V A CONTRARIEDADE DA LEI
9958/2000 COM A CF A Lei 9958/2000, ao dispor
sobre as "Comissões de Conciliação Prévia",
estabeleceu-se no art. 1o o acréscimo das letras "A"
a H" ao art. 625 da CLT; nas letras "D, §§ 1o, 2o,3o
e
4o " e "E, Parágrafo único" impôs arbitrária
restrição ao direito público subjetivo dos cidadãos
de submeter à apreciação do Poder Judiciário
lesão ou ameaça a direito decorrente da relação
de emprego, infringindo-se portanto o disposto no inciso XXXV do art. 5º
da Lei Maior, criando-se, ainda, uma desigualdade injustificável,
ou seja: o trabalhador pertencente a um setor onde não foi instituída
Comissão de Negociação Prévia poderá
ajuizar sua ação trabalhista diretamente na Justiça
do Trabalho. Um outro, só porque a comissão foi instituída,
não. Terá que se submeter seu pleito perante a referida comissão,
violando-se então a garantia da igualdade prevista no art. 5º
da mesma Carta Política vigente.
O art. 652-E da Lei 9958/2000
viola diretamente o art. 5º, LV, da CF ("o contraditório
e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes");na
comissão de conciliação prévia não há
garantia de contraditório, nem de ampla defesa. Essa lei encontra
vedação incontornável no art. 5o, inciso
XXXV, da CF, que não admite seja excluída da apreciação
do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
O art. 652 "D e E" violam,
também, o art. 5º, inciso XXXVI. É que ao tornar tornar
obrigatória a submissão de qualquer demanda de natureza trabalhista
à Comissão de Conciliação Prévia que
houver sido instituída no âmbito da empresa ou do sindicato
da categoria admite que mesmo os trabalhadores ainda com vínculo
empregatício em vigor submetam à referida comissão
seus pleitos de recebimento de seus créditos trabalhistas, comissão
esta composta de empregados ainda subordinados aos interesses empresariais,
ainda que se lhes garanta a estabilidade pelo prazo de seus mandatos.
A submissão obrigatória
à comissão de negociação prévia de qualquer
demanda coloca em grave risco e ameaça de perda de direitos trabalhistas
líquidos e certos (os créditos trabalhistas alimentares dos
trabalhadores), já que o § Único do art. 625-E atribui
à transação feita perante a comissão o efeito
de coisa julgada (art. 1030 do CCB), mesmo das parcelas que sequer foram
postuladas perante a comissão, violando-se por conseguinte o direito
adquirido tutelado pelo art. 5º, inciso XXVI, inovando sobre o direito
constitucional de ação, tutelando a fraude material contra
direitos de ordem pública e inderrogáveis (Art. 5º,
XXXIV (a), dando causa inclusive a enriquecimento ilícito não
suportado pelo direito pátrio, transgredindo-se o próprio
princípio da legalidade, como já decidiu o próprio
STF:
"O alcance respectivo
há de ser perquirido considerada a garantia constitucional implícita
vedadora do enriquecimento sem causa. (STF AG 182.458-1 (AgRg) 2ª
T. Rel. Min. Marco Aurélio DJU 16.05.1997).
O mesmos dispositivos atacados
violam ainda o próprio artigo 7º da CF/88, incisos:
- VI (irredutibilidade salarial),
salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo. Os créditos
trabalhistas são salários, verba alimentar irrenunciável,
mormente em se tratando de parcelas salariais que sequer foram postuladas
perante a comissão;
- X, que protege o salário,
constituindo crime sua retenção dolosa. Tratando-se os créditos
trabalhistas de salários não pagos e retidos, não
pode haver quitação a não ser que a parcela haja sido
postulada perante a comissão;
- XXIX (a), que assegura ao trabalhador
o direito de postular em juízo seus créditos trabalhistas
resultantes do pacto laboral no prazo máximo de até dois
anos após a extinção do contrato. Se for mantido o
efeito liberatório geral, mesmo das parcelas não discutidas
perante a comissão, o trabalhador ficará impedido de exercitar
seu direito constitucional de ação no prazo marcado pela
própria Carta Política vigente.
O Como sustenta com inteira
justeza o Dr. Reginaldo Melhado, Juiz do Trabalho em Maringá Paraná
e Presidente da Amatra-IX, porta-voz do justo repúdio, sustenta
com clareza e sapiência:
"a irrenunciabilidade
dos direitos trabalhistas cogentes devem, portanto, ser assegurados, não
se admitindo jamais que a Comissão de Negociação prévia
possa legitimar RENÚNCIAS DO TRABALHADOR, seja ela tácita
ou expressa, não podendo sequer admitir que a simples expressão
"eficácia liberatória geral" tenha o condão de contrariar
as dicções do art. 9o., 444 e 468 contidas na mesma Consolidação.
Veja-se que até mesmo no que se refere a redução de
salário a CF só a admite mediante CCT ou ACT (art. 7º,
inciso VI). Ademais da incorreção lexicológica, há
nesta regra uma perversidade política imoral" (in "Comissões
de conciliação: a lógica do avesso" (GENESIS, Curitiba,
331-409, março/2000).
E continua:
"na realidade, seria
tolerável e até desejável com organizações
sindicais decentes, legítimas e representativas, ou comissões
de empresa legitimamente instituídas que a prática da negociação
fosse revestida da maior autoridade. Nada obstante, nunca da forma como
posta pelo legislador. A lei deveria estabelecer que a eficácia
liberatória só ocorre em relação ao objeto
da demanda submetida à comissão. Imagine-se, por exemplo,
a hipótese de uma controvérsia banal sobre o acerto de contas
na rescisão de um contrato de emprego (muitas vezes marcada por
certa intranqüilidade entre os envolvidos). Para a composição
acerca de valores ou critérios de cálculo, haverá
o trabalhador de ressalvar imediatamente no "termo" de conciliação
todas as questões que pretende discutir em juízo. E deverá
fazê-lo de inopino, sem consultar advogado, sem meditar sobre os
anos passados do contrato ainda não alcançados pela prescrição
qüinqüenal, sem trocar idéias com familiares. Se nada
lhe vier à memória, haverá quitação
geral. A considerar constitucional a referida Lei, por certo, doravante,
muitos empregadores passarão a exigir que a "homologação"
das rescisões contratuais se realizem perante as comissões.
Tal como hoje em dia uns tantos já se valem do artifício
do aforamento de uma "demanda" judicial para o pagamento de verbas rescisórias,
buscando exatamente a eficácia liberatória genérica
agora consagrada na lei como regra, mais e mais empresários passarão
a correr às comissões prévias de conciliação.
O resultado disso poderá ser o sacrifício dos direitos de
milhões de humildes trabalhadores. Por que não estabelecer
que a conciliação só implica eficácia liberatória
isto é, só exime o devedor de qualquer obrigação
quando pactuada expressamente? As razões são políticas,
e seguramente inconfessáveis, ou são a manifestação
da ingenuidade coletiva de pelo menos uma parte dos membros do Congresso
Nacional. Até mesmo uma sentença judicial deve estar limitada
à chamada res in iudicio deducta (não vamos repisar aqui
a teoria da sentença infra, ultra e extra petita, plasmada, grosso
modo, no art. 460 do CPC). Como posta na Lei 9.958/2000, o termo de conciliação
terá poder maior que aquele conferido à sentença,
pois produzirá a mesma conseqüência jurídica,
sem qualquer formalidade, sem contraditório, sem ampla defesa e
principalmente sem os limites da demanda. Certo, pois, que o direito de
ação assegurado na Constituição da República
não se sujeita a nenhum limite, nem autoriza submissão a
um estágio prévio de tentativa conciliatória. Veja-se
que quando o constituinte, efetivamente, quis limitar o direito constitucional,
fê-lo de forma expressa, como por exemplo no art. 5º LVIII:
"o civilmente indentificado não será submetido a identificação
criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei" (in "Comissões
de conciliação: a lógica do avesso" (GENESIS, Curitiba,
331-409, março/2000).
No mesmo estudo: "As comissões
de conciliação trarão inevitável prejuízo
às classes trabalhadores. Menos pela idéia em si da conciliação
prévia e muito mais pelas incongruências e perversidades do
diploma legal que as instituiu. Entre outros, que deixo de discutir aqui
em face da exigüidade do espaço, as fontes de distorções
são (a) exigência da conciliação prévia
em um contexto político desfavorável aos trabalhadores, ainda
insuficientemente organizados, (b) a falta de normas jurídicas disciplinando
o processo de criação das comissões na empresa e a
eleição dos representantes dos trabalhadores, (c) a omissão
do legislador quanto às regras de exceção para afastar
o requisito da conciliação prévia em inúmeras
hipóteses e (d) a cruel inversão da lógica, ao consagrar
a eficácia liberatória geral independentemente de demanda
e transação expressas. Como está, a conciliação
prévia é uma tragédia" (in "Comissões de conciliação:
a lógica do avesso" (GENESIS, Curitiba, 331-409, março/2000).
Trilhando na mesma lógica,
o Professor José Affonso Dallegrave, na exegese mesma matéria
(direito constitucional de ação, incondicional) afasta a
possibilidade de se limitar o direito de ação: "Sabido que a Constituição
não contém palavras ociosas e sua exegese deve ser fiel ao
escopo buscado pelo constituinte. Logo, nos termos da expressa dicção
do art. 5º, XXXV da CF/88, o direito de Ação não
pode sofrer limitações de qualquer natureza" (in Inovações
no Processo do Trabalho", RJ: Forense, 2000, pág. 57).
E o coreto da indignação
jurídica, contra o arbítrio das limitações
impostas pela lei 9958/2000, é afinado também com a doutrina
do Professor João Augusto de Palma, materializadas na obra "Novas
Práticas trabalhistas, com Sumaríssimo e Conciliação
Prévia, publicada pela Editora LTr, ed. 2000, págs. 122: " Com a Lei n o
9.958, de 12 de janeiro de 2000, discute-se a constitucionalidade de um
dos seus dispositivos, que condiciona o ajuizamento da ação
trabalhista à prévia tentativa de conciliação
na esfera extrajudicial. A regra está no art. 625-D da CLT, criado
pela nova lei:
"Qualquer demanda de natureza
trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação
Prévia se, na localidade da prestação de serviços,
houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa
ou do Sindicato da categoria".
Em princípio, a interpretação
literal da norma constitucional do art. 5o, inciso XXXV, acima
transcrita, em cotejo com o novel art. 625-D, da Consolidação,
inspira uma conclusão imediata. É inconstitucional a subordinação
do processo judicial à conciliação prévia,
por representar inibição do exercício do direito de
ação e, portanto, ofensa ao princípio da inafastabilidade
da jurisdição, consagrado como cláusula pétrea
da Carta de 1988".
Na mesma linha a indignação
cívico-jurídica de Ivan Alemão (Juiz titular da 1ª
Vara do Trabalho de São Gonçalo, autor dos livros "Garantia
do Crédito Salarial", Direito das Relações do Trabalho"
e "Execução do Devedor, Satisfação do Trabalhador")
manifestada em palestra da OAB/Niteroi, em 31.01.2000, sobre a obrigatoriedade
de submissão de qualquer demanda à comissão de negociação
prévia: "É democrática
a obrigatoriedade da negociação que pressupõe perda
de direito líquido e certo?? (...) permitir o término do
contrato por acordo significa abrir espaço para que tal fato ocorra
em quase todos os contratos, suprimindo direitos trabalhistas".
Com efeito, as Comissões
de Conciliação Prévia previstas na CLT, em face da
nova lei, devem ser vistas como mera opção do interessado
em relação a via da mediação, mas jamais como
condição ao exercício do direito de ação.
O próprio STF tem precedente semelhante. Em 1995, reagindo contra
o art. 11 e o inciso II, do art. 13, da então Medida Provisória
1.053, de 30 de junho, o Partido Democrático Trabalhista ajuizou
a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1309-2; o
pedido de liminar foi analisado pelo então Presidente dessa Suprema
Corte, o Exmo. Senhor Ministro Sepúlveda Pertence (DJ de 03/08/95
pág. 22271). O processo, embora se referisse a dissídio coletivo,
é semelhante.
Consta do despacho liminar:
"frustrada a negociação
direta, as partes deverão, obrigatoriamente, antes do ajuizamento
do dissídio coletivo, solicitar ao Ministério do Trabalho
que designe mediador para o prosseguimento do processo de negociação
coletiva". Era vedado na negociação coletiva e no dissídio
coletivo, "a concessão a título de produtividade de aumento
não amparado em indicadores objetivos, aferidos por empresa". Ajuizada
no curso de férias forenses, o Ministro Sepúlveda Pertence,
ad referendum do Plenário, apreciou o pedido de medida liminar,
concedendo-a, sob o seguinte fundamento, que por sua semelhança
com o objeto da presente demanda, em que pese as normas ora impugnadas
não se referirem especificamente aos dissídios coletivos,
merecem ser transcritos e considerados: "Negociação são
tratativas, diálogos, em síntese, fato necessariamente bilateral
e voluntário: se uma das partes se recusa liminarmente à
busca do entendimento, não se poderia mesmo subordinar à
impossível efetivação dela o acesso da outra à
Justiça. 10. Desse modo, tanto quanto a frustração
das negociações realizadas, a recusa a entabulá-las
não tem outra conseqüência, nos termos da Constituição,
que não seja a submissão da parte que se furtar ao diálogo
à composição heterônoma do conflito, por iniciativa
da outra, na vida do dissídio coletivo. 11. Segue-se que a parte
que a recusa não pode ser compelida à negociação.
(...) 14. Essa submissão compulsória das partes à
interferência de um mediador do Ministério do Trabalho constitui
obstáculo anteposto ao exercício do direito ao ajuizamento
do dissídio coletivo, que a constituição, no entanto,
subordinou apenas à tentativa da negociação para a
qual, de resto, não ditou forma nem impôs a participação
do Estado".
Com efeito, o pleito de declaração
de inconstitucionalidade do art. 625-E, bem como de seu parágrafo
único, há que ser acatado, condicionando que qualquer eficácia
liberatória geral só possa acontecer perante a Justiça
do Trabalho, aliás como já previa a proposta original então
remetida ao Congresso Nacional.
A Lei 9958/2000 em seu art.
1o , acrescentou ao artigo 625 da CLT vários itens, entre
os quais os "D,§§ 1o a 4o" e o "E, Par.
Único". Esse acréscimo como se viu obriga a submissão
antecipada do trabalhador a uma Comissão de Negociação
Prévia (onde poderá, por desconhecimento, quitar o contrato
de trabalho, mesmo das parcelas não discutidas art. 625-E, Parágrafo
único). Essa exigência viola diretamente o art. 5º, XXXV.
O legislador ordinário
não pode excluir, cercear ou tolher a possibilidade de o Poder Judiciário
Trabalhista, no desempenho de sua competência constitucional, conciliar
os conflitos submetidos a ele por qualquer cidadão interessado.
As limitações criadas pela Lei 9958/2000 e sua nefastas conseqüências
(submissão dos pedidos à comissão e o efeito liberatório
geral) são inconstitucionais e assim devem ser declaradas.
VI EM CONCLUSÃO
Não se desconhece
que a Justiça do Trabalho deixou de atuar com agilidade e eficiência
desejáveis, que os juízes estão atuando além
do limite da capacidade orgânica produtiva, que os processos se acumulam
e se amontoam num ritmo avassalador.
Não se desconhece
também que os recursos humanos e mecânicos colocados à
disposição dessa Justiça Especializada são
insuficientes, como não se desconhece que as causas desse crescimento
exagerado de ações se localizam na crise econômica,
no desemprego massivo, e principalmente na tolerância irresponsável
com o descumprimento das normas trabalhistas. Não há penalidade
alguma para o descumprimento da norma: se o contribuinte deixa de recolher
impostos, paga pesadas multas; se deixa de cumprir as normas sociais, se
não paga salários, se não paga férias, 13o,
aviso prévio, se não recolhe fgts, não há multa
alguma; há estímulo a que continue desrespeitando a legislação
trabalhista. E se, após todas as artimanhas, não conseguir
aquietar o trabalhador, se ele vier a exigir seus direitos, o empregador
ainda poderá lucrar, com um bom acordo, ou até mesmo com
o pagamento integral da dívida, com modestos juros de 1% ao mês,
mais correção monetária pela desacreditada Taxa Referencial
(TR); poderá talvez até parcelar esse débito.
Se houvesse penalidade
pelo descumprimento das normas trabalhistas, elas seriam cumpridas espontaneamente;
poucas seriam as ações trabalhistas: com certeza a Justiça
seria ágil e eficaz. A Lei 9958/2000 criou uma armadilha para o
trabalhador (a parte mais fraca da relação de emprego) ao
obrigá-lo a submeter seus pedidos a uma Comissão de Conciliação
Prévia, de caráter privado, como condição ao
exercício do direito de ação.
Certo que a lei não
obriga a criação de comissão prévia, mas, se
criada e instalada, obriga o trabalhador do respectivo setor a submeter
seus pedidos previamente a ela. Uma vez instalada, é necessário
que os pedidos sejam submetidos a essa comissão, que tentará
conciliar as partes; se a conciliação for infrutífera,
fornecerá uma certidão para o ajuizamento da ação
na Justiça do Trabalho. Portanto, em que pese não ser, de
início, obrigatória a criação das comissões
prévias, na prática elas acabarão por ser criadas
e instaladas em todos os setores de nossa economia, porque os empregadores
têm interesse em liquidar suas pendências trabalhistas - e
ainda mais por um valor que poderá se tornar irrisório.
As comissões prévias,
ao que tudo indica, observados os fatores contextuais do momento, podem
tornar-se numa autêntica "guilhotina" para o pescoço do trabalhador:
por uns parcos reais, milhares (ou até milhões!), sem conhecer
sequer os seus direitos, darão quitação do contrato
de trabalho (mesmo das parcelas não discutidas perante a comissão).
As comissões prévias
podem ser criadas dentro das próprias empresas, como também
dentro dos sindicatos, sendo que a não exigência de acompanhamento
por advogado, além de contrariar o disposto no art. 133 da CF, ainda
viola o disposto no art. 5º, caput (direito à igualdade),
ou seja, exigir de uns, a submissão dos pedidos à Comissão
Prévia e não exige de outros (por não ter sido criada
a comissão) .
Como nessas comissões
não há exigência legal de assessoramento por advogado
de confiança das partes, há violação clara
do direito ao contraditório e à ampla defesa - art. 5º,
inciso LV, da CF.
Portanto, desinformado,
desempregado, sem dinheiro, sem perspectivas de vida digna a curto e médio
prazo (essa é a realidade contextual), o trabalhador fatalmente
irá tornar-se presa fácil desse novo e cruel sistema, irá
jogar fora seus direitos por valor irrisório, vil (os operadores
do direito mesmo antes dessa "lei" já conviviam com os irrisórios
acordos na Justiça do Trabalho, mas em condições onde
se respeitava ao menos o direito de defesa, o princípio do contraditório,
a presença e acompanhamento do assessor jurídico - o advogado).
A Lei 9958/2000, de 12
de janeiro de 2000, que não assegura a presença obrigatória
do advogado nas conciliações prévias; e, ao submeter
o conflito à solução privada, viola o direito constitucional
de livre acesso à Justiça para a solução do
conflito (art. 5o, XXXV da CF). Essa lei representa a recusa
do Estado na composição dos conflitos de interesse, a privatização
da justiça, a entrega da solução a entidades privadas,
contrariando as garantias sociais de prevalência do interesse social
sobre o interesse privado ( art. 5º, XXIII, art. 170, III CF).
Sem a assessoria do advogado
de confiança das partes, a reclamação verbal poderá
ser lavrada por escrito pelos próprios membros da comissão
de negociação prévia (representantes dos empregadores
e ou dos empregados e por eles mesmo apreciada);e aí se o trabalhador
aceitar o acordo que lhe for proposto, estará impedido de, mais
tarde, reivindicar na Justiça do Trabalho as diferenças salariais
e outros direitos não pagos e não discutidos naquela comissão.
Como os sindicatos estão
enfraquecidos, a tendência da classe patronal é a de instituir
e instalar as comissões não dentro das empresas, mas dentro
dos próprios sindicatos de trabalhadores, hoje sem recursos até
mesmo para cumprir suas obrigações sociais, previstas em
seus estatutos.
Nos últimos anos,
tem-se visto que, ao invés de conquistar novos direitos e viabilizá-los
nos instrumentos coletivos (Acordos, CCT), os sindicatos de trabalhadores
têm aberto mão até daqueles já conquistados
nos anos anteriores, em troca de mera reposição da inflação
reconhecida. Essa situação de enfraquecimento dos sindicatos,
não é desconhecida.
O trabalhador normalmente
está desinformado de seus direitos; não sabe quais são;
com freqüência, procura advogado para discutir algumas horas
extras, o FGTS não depositado, e aí é informado de
outros direitos. Por isso, deve ser sempre orientado por advogado. Se não
for orientado, esclarecido, alertado, e se comparecer perante uma dessas
comissões de negociação prévia, mesmo dentro
de um sindicato de empregado, poderá quitar todos seus direitos,
por quantia irrisória, e ficar impedido de postular em Juízo
os demais créditos trabalhistas que não foram submetidos
à comissão, como prevê o agora art. 625-E, Parágrafo
Único da CLT.
Não se tratando
de lei autônoma, mas de disposições inseridas no corpo
geral da Consolidação das Leis do Trabalho, qualquer transação
entabulada perante as Comissões tem por conseqüência
seus limites fincados na própria CLT, artigos 9º, 444 e 468.
VII SUPENSÃO LIMINAR
DOS EFEITOS DAS NORMAS IMPUGNADAS
A relevância jurídica
e a premência justificadoras da suspensão dos efeitos jurídicos
das normas ora impugnadas, até o julgamento final desta ação,
resulta da necessidade de se assegurar a preservação das
garantias legais indicadas e violadas, ou seja resulta do reconhecimento
de que a exigência de submissão prévia dos pedidos
a uma comissão de negociação prévia contraria
o art. 5O, inciso XXXV da CF., que o efeito liberatório
art. 625-E, Parágrafo único se restringe apenas às
parcelas postuladas perante a comissão.
Por esta razão, torna-se
relevante e urgente que o pedido de suspensão liminar seja apreciado
antes que a lei comece a gerar efeitos, que nos termos postos evidenciam
riscos iminentes de danos de difícil reparação.
VIII OS PEDIDOS
Diante de todo o exposto,
requer:
-
A suspensão liminar,
até o julgamento final desta Ação (art. 102, I, "p",
da CF) do artigo 1o da Lei 8.858/2.000, que acrescentou à
Consolidação das Leis do Trabalho, no artigo 625 as letras
"D", "E" e seus parágrafo; ou então pelo menos a suspensão
dos efeitos jurídicos dessa alteração legislativa,
ouvido o Presidente da República e o Congresso Nacional no prazo
de 5 dias, conforme dispõe o art. 10 da lei nº 9.868/99;
-
Que ao Exmo. Sr. Presidente
da República e ao Congresso Nacional sejam solicitadas, nos termos
do art. 6º da Lei nº 9.868/99 e do art. 170 do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal, as devidas informações sobre
os termos desta ação, a serem prestadas no prazo de trinta
dias;
-
A intimação, nos
termos do art. 8º da Lei nº 9.868/99, do Advogado-Geral da União
e do Procurador Geral da República, para se manifestarem sucessivamente
no prazo de quinze dias.
-
No final seja declarada a inconstitucionalidade
da Lei 9.958/2000, ou quando não ao menos dos artigos 625-D e seus
parágrafos, como também do art. 625-E e seu Parágrafo
Único, acrescentados à CLT pelo artigo 1o dessa
lei (9.958/2000), já analisados anteriormente.
Termos em que
pede deferimento
Brasília, 14 de junho
de 2000
LUIZ SALVADOR - OAB-PR 5439